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  • Foto do escritorLarissa Oliveira

quem são as mulheres da geração beat? Parte 1

Uma introdução ao espaço feminino no imponente movimento literário

Diane di Prima, um dos nomes mais importantes da literatura Beat

" Houve mulheres, estiveram lá, eu as conheci, suas famílias as internaram , elas receberam choques elétricos. Nos anos de 1950, se você era homem, podia ser um rebelde, mas se fosse mulher, sua família mandava trancá-la. Houve casos, eu as conheci, algum dia alguém escreverá a respeito.”

Gregory Corso, citado em “A Geração Beat”, de Cláudio Willer (2009)


O período entre a Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria é um ponto que intersecta a transgressão da vida de muitas mulheres por conta das figuras masculinas imponentes estarem ausentes, e assim os efeitos dessa ausência vão impulsionar diferentes anseios que fogem aos papéis tradicionais de gênero. Para citar duas importantes autoras que passaram por mudanças profundas durante essa época, falarei rapidamente de Sylvia Plath e Anne Sexton.


Da esquerda para a direita: Sylvia Plath e Anne Sexton

Ambas foram grandes poetas confessionais e por conta dos temas que abordaram em seus escritos, são até hoje fontes primordiais para quem busca o feminismo na literatura. Elas já foram reverenciadas diversas vezes no mundo pop por personagens consideradas feministas, como Lisa Simpson da série de animação The Simpsons e Rory do seriado Gilmore Girls. O ponto que quero traçar aqui é como elas se tornaram, assim como as escritoras beat, figuras que não se encaixavam em papéis tradicionais. Sylvia era tanto quanto  Anne, de Massachusetts, e desde cedo teve a imagem de um pai como figura autoritária. A morte do seu pai  no ano de 1940 causou um profundo desconforto em Sylvia em relação à sua fé e à vida. Em consequência disso, ela começou a escrever sobre sua própria experiência entre a vida e a morte. Sylvia declarou em várias de suas poesias que era suicida desde muito nova. O poema Daddy traz um simbolismo entre a imagem de Hitler e de seu pai, no qual  ela se coloca no lugar de uma judia. Além disso, Sylvia foi casada com o poeta Ted Hughes, que muitos alegam ter sido um dos gatilhos para o seu suicídio na década de 60. A imposição dos papéis de dona de casa e de mãe, fazia parte de um contexto conservador que priorizava a retomada do ambiente patriarcal pós-guerra. No mesmo poema, ela fala que se  casou com um homem tão destrutivo quanto o pai : ''Fiz um modelo de ti,/Homem de preto, com um aspecto de Meinkampf''. Por confrontar o ideal patriarcal do pai e do esposo, Sylvia foi além do seu tempo. Isso para não mencionar sua obra póstuma e transgressora  A Redoma de Vidro, que teve um impacto gigante na minha vida. É importante frisar que Sylvia e Anne  foram internadas em hospitais psiquiátricos, ou seja, a vida problemática das duas traz um instigante contraste com a forma que elas se expressavam. O diagnóstico que se dava a essas mulheres que falavam e faziam mais do que se era permitido, era o da loucura. Além disso, Anne Sexton tratou de temas como aborto, masturbação, incesto, menstruação e confessou ter sido abusada e abusado sexualmente pessoas da família. Sua sensibilidade artística veio logo após ter engravidado de seu marido, na época da Guerra Fria, em que ele ficou ausente, e ela sofreu uma profunda depressão que somente a escrita, incentivada por seu analista, poderia servir de válvula de escape. Os casos dessas duas escritoras servem pra ilustrar inicialmente que não era tão fácil quanto foi para homens ser artista  naquele tempo. Muitas mulheres  encontravam  na arte uma fuga à simbólica redoma de vidro que as aprisionavam. A cantora pop  Lady Gaga escreveu uma música chamada dançar no escuro que retrata mulheres que não dançavam de acordo com a batida determinada, se referindo àquelas que não seguem o ritmo previamente determinado no percurso de suas vidas.


Joan Vollmer, por Allen Ginsberg em 1944

Enquanto isso, pelos arredores de Manhattan, o apartamento de uma jovem mãe, intelectual, audaciosa e ávida por novas aventuras, chamada Joan Vollmer, seria palco de  uma nova sensibilidade literária- despertada a partir de longas conversas inebriantes e um imã intelectual que aglomerou diversas mentes visionárias. Edie Parker era amiga de bar e de apê de Joan, e ambas desafiaram o rótulo de bela, recatada e do lar ao abrigarem bêbados, poetas, entres outros considerados marginais pela sociedade. Entre eles estavam Jack Kerouac e Allen Ginsberg, nomes que anos depois daqueles encontros de 1944, se tornariam expoentes de uma geração positivamente maldita. Quando Joan e William Burroughs — o junkie kafkiano — se conhecem, uma interação de ordem telepática toma conta do futuro casal. Jack oferece benzendrina, a droga do momento, para Joan pela primeira vez e naquela mesma época ele e seu amigo Burroughs estavam encrencados, este não tanto, por conta da morte de David Kammerer. O crime foi narrado de forma exemplar no filme de John Krokidas, Kill Your Darlings (2013). O casamento de Edie e Jack o ajudaria a se livrar da condenação como acessório do crime uma vez que ela herdaria uma fortuna considerável da família. O relacionamento dura menos que 5 anos, mas Edie foi imortalizada em várias obras de Kerouac, inclusiva a sua primeira, The Town and the City (1950). Para além de figurar como elemento menor nas obras Beat, Edie escreveu sua própria versão da sua vida ao lado do vagabundo iluminado. Em You'll Be Okay: My Life With Jack Kerouac, Edie recorda viver sob condições extremas ao lado de Jack e que era ela quem sustentava o ciclo de mentes produtivas que culminaria no grupo Beat. Apesar de sua mágoa com o admirado ciclo de rapazes ser um dos motivos para que sua carreira não tenha sido reconhecida, eis aqui um motivo para que ela seja: temos uma mulher que esteve lá, que pode oferecer um outro olhar sobre esse grupo que só analisamos sob perspectivas masculinas. No tocante à Joan, ao contrário de Edie, não publicou nada em vida — mas compartilhou cartas com Allen Ginsberg. Apesar disso, ela foi, sem dúvida, a maior representante feminina do meio Beat. As razões são diversas. Uma delas é que Joan foi analisada em diferentes nuances por quase todos os escritores Beat. Sua casa foi o parque de diversões para cabeças imersas em devaneios poéticos. Em futuros posts, focarei em visões de Joan Vollmer em torno das obras literárias do movimento. Para não citar a importância fundamental que ela teve na escrita de Burroughs. Os dois moraram juntos por alguns anos em meio a agulhas, benzendrina e tequila. Vagaram por New Orleans, México e Texas por conta problemas psiquiátricos - Joan teve um surto nervoso- como também por conta do cultivo de maconha (droga proibida) na sua casa. Burroughs não escondia sua predileção sexual por homens, o que frustrava Joan e a levou a definhar cada vez mais; tornou-se coxa e caçava lagartos com uma vassoura no quintal de sua fazenda pela madrugada. Amy Adams incorpora  essa visão de Joan na adaptação fílmica de On the Road por Walter Salles. O casal Burroughs teve um filho de mesmo nome que o pai, mas que anos mais tarde vomitou em obras literárias seu desprezo pelo seu genitor  por conta de um acidente fatal que o tirou de sua gentil mãe. Em 1951, o casal Burroughs rondava embriagado pelo México quando resolveu reproduzir o ato Guilherme de Tell, que consiste em colocar um objeto na cabeça para que outra pessoa atire com um revólver. No entanto, o jogo resultou em uma bala no crânio de Joan e este trauma foi vital para que Burroughs encontrasse na escrita, uma válvula de escape para lidar com o remorso. Tanto Joan quanto Edie transgrediram lugares impostos para as boas cidadãs norte-americanas e enquanto uma experimentou de forma visceral e intensa a vida desregrada, a última pôs em palavras sua própria história em um meio altamente masculino.


Edie Parker, primeira esposa de Jack Kerouac

Assim como Edie Parker, outra companheira de Jack Kerouac escreveu sua própria participação na época em que a geração beat ganhou notoriedade. Joyce Johnson esteve com Kerouac antes e depois do sucesso de On the Road (1957). Ela foi além de Edie e não só escreveu sobre Jack, como na biografia The Voice Is All: The Lonely Victory of Jack Kerouac, e assim como outros beat, ela publicou uma obra sobre correspondências que trocou com seu antigo companheiro, chamada Door Wide Open: A Beat Love Affair in Letters, 1957–1958. Ademais, Joyce é considerada a pioneira entre as escritoras do movimento.Come and Join the Dance fala sobre uma garota, chamada Susan, mas que na verdade é a própria Joyce, que sutilmente descobre a si mesma numa tentativa de se encaixar ao estilo de vida dos desajustados na sociedade. A autora nova-iorquina vai além de sua própria narrativa e elabora uma das obras mais importantes na exploração do espaço feminino da geração beat. Minor Characters busca enaltecer os nomes perdidos do grupo, os nomes femininos. Ressalto a importância de Elise Cowen no livro; Elise foi a última experiência heterossexual de Allen Ginsberg antes dele conhecer seu companheiro de vida, Peter Orlovsky. Porém, ela foi mais do que a sombra de Ginsberg, foi Elise quem datilografou o poema maternal Kaddish, e a sua transgressão foi insuportável para seus vizinhos que queimaram seus escritos vistos como lascivos a fim de os esconderem dos pais da garota. Estes escritos traduziam a alma sórdida de uma garota que questionava paradigmas tradicionais. Elise e Joyce eram amigas de faculdade, na Barnard, que também foi frequentada por Joan Vollmer. Foi Joyce que apresentou Elise a Ginsberg. Joyce relata como sua amiga  era impulsionada por uma crise existencial. Seu nome completo, Elise Nada Cowen, já transmitia um ar diferenciado na garota. Um acidente caseiro deixou marcas permanentes no corpo de Elise, o que corroborou com sua natureza depreciativa. Ela se dedicava ao máximo a quem amava e  esteve com um dos seus professores a quem escreveu um poema de ordem espiritual " (...)seu corpo minha cabala" ; mas foi após se integrar ao meio beat que Elise pode expandir suas identidades. Ela amou tanto mulheres quanto homens e via em Ginsberg alguém a quem  poderia se assemelhar sem ter medo de objeções.Seus poemas contabilizam por volta de 88,  achados  em restos do que não foi queimado. Sylvia Plath e Elise Cowen se conectam por terem suas liberdades barradas por princípios morais, que as confinaram em tratamentos psicológicos. A morte era tema comum entre as duas poetas que sabiam empregar diferentes metáforas para uma amiga tão íntima e confortante em meio a uma redoma moralista que as adoeciam sem que tivessem culpa; ambas se entregaram à única liberdade possível em suas vidas. Em postagens posteriores, outras escritoras beat serão apresentadas e essa primeira introdução ainda não simplifica a representação complexa e rica que essas mulheres ofereceram à cultura ocidental e hoje se faz urgente resgatar as vozes de mulheres subjugadas.É com prazer que tento contribuir para novos horizontes no curso da história das mulheres nas artes.



Joyce Johnson, atrás de Jack Kerouac


Elise Cowen teve sua liberdade sufocada por uma sociedade que a aprisionou em uma redoma de vidro

Fontes:










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