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Foto do escritorLarissa Oliveira

quem são as mulheres da geração beat? parte 2

Segunda parte da introdução às mulheres do movimento beat.

Lenore Kandel, "a erótica sagrada"; "a poeta hippie do amor"

Dando continuidade à introdução sobre as mulheres da geração beat, traço inicialmente um paralelo entre este post e o anterior da seguinte forma: Joan Vollmer, Elise Cowen, Joyce Johnson e Edie Parker foram todas companheiras dos expoentes masculinos do movimento. Ainda não falei de Diane di Prima, que casou e teve filho com o único beat negro conhecido, Le Roi Jones. Assim como não mencionei Carolyn Cassady,que passou por poucas e boas ao lado do herói beat, Neal Cassady, além de ter tido um caso com Kerouac. As mulheres referidas na parte um, tinham esse ponto em comum. Já as deste, foram ativistas e algumas acreditavam no potencial psicodélico da contracultura durante a década de 60. Vistas como hippies, apesar de algumas delas terem aderido ao movimento, elas formaram um elo entre essas duas formas de contracultura. Diane di Prima tem um parêntese especial nesta história. A jovem boêmia de origem italiana, e de cabelo curto-- fugindo ao padrão ladylike da década de 50-- respirou ares transgressores quando vivia na Lower East Side de Manhattan em meados da década de 50. O emaranhado  de corpos com quem se deitou nada mais era do que algo similar que ocorria com seus futuros irmãos beat. Como Claudio Willer, grande estudioso da geração beat no Brasil, uma vez escreveu: a revolução sexual dos beats tinha significado ontológico e político. As memórias de Diane publicadas  foram banalizadas como pornográficas, porém, a autora de Memórias de uma Beatnik, pode romper com tabus através de seu protagonismo sexual. O sexo ganha dimensão cósmica, foge ao moralismo religioso que aprisiona a mulher, e orientações budistas tanto faziam a sua cabeça quanto a de outra beat que ressignificaria o sexo, Lenore Kandel. As duas compartilharam viagens durante o fim da década de 60-- di Prima mudou-se para Califórnia em 1968. Diane escreve um prefácio na coleção de poemas de Kandel relatando sua estadia na comunidade East-West House (imortalizada em Big Sur de Kerouac) "na qual havia essa mulher, coração de vênus, que era muitas coisas para muitos: uma curandeira e uma conselheira. A mulher de jaqueta de couro e que se vestia como rainhas já se vestiram um dia.". As duas trocaram entre si: drogas, conhecimento e uma amizade que as guiava de uma visão até outra. Ainda na década de 50, Diane conhece Ginsberg e Kerouac. Sua obra de  memórias,  apesar de ser fonte importante para mulheres que ansiavam narrativas libertárias, carrega  nos bastidores uma subjugação de gênero. MAIS SEXO, pedia seu editor para que ela pudesse ser vendida. Seus anseios literários estavam em segundo plano. Apesar disso, friso o encontro extasiante entres os beats descrito no livro e  que se dá após a explosão do H-- alusão ao H atômico empregado em obras beats como por Ferlinghetti-- que se refere ao  poema Howl de Ginsberg. Diane lançou suas memórias em 69, época em que seu ativismo estava consolidado. Ela assinou um voto de taxa em protesto à Guerra do Vietnã, mas retornaria  ao momento em que sabia que algo grande estava por vir. Centenas estavam produzindo  e Allen abriria o terreno para que essas mentes promissoras também se manifestassem. Do início da década seguinte em diante,di Prima aprofunda sua subjetividade poética -- como o feminino animalesco em Loba-- assim como adere mais uma vez ao espírito coletivo ao lançar a revista literária The Floating Bear ao lado de LeRoi. Escritores de diferentes escolas publicavam em diferentes edições da revista.Durante a sua nona, LeRoi foi detido por apresentar conteúdo homoerótico. " Eu quero sentir de tudo" era o lema para a autora, que através da gravidez alegou experimentar  uma forma, dentre várias, de como é estar em um corpo feminino. É em Loba que di Prima transpõe o papel social de mãe. Ao retratar uma família de mãe, pai e filho lobos, a autora de origem italiana buscava subjetivar os papéis que a mulher exerce enquanto mãe e esposa.


Diane di Prima em 1954. A mesma imagem foi utilizada na capa da sua obra Cartas Revolucionárias


Já havendo mencionado Lenore Kandel anteriormente, é de suma importância estudar a grande poeta do movimento hippie. Kandel cresceu em uma época em que o sexo para as mulheres era tão perigoso quanto uma roleta russa, como grifa outra escritora beat, Joyce Johnson em Minor Characters. Johnson ainda escreve que aquelas mulheres que eram desregradas eram tratadas de forma diferente comparadas a homens. A fuga ao padrão se justificava como uma patologia pessoal, uma vez que elas são esperadas a fazerem nada. Seus papéis sociais são inerentes e biológico, o que seria debatido pela filósofa francesa  Simone de Beauvoir, na sua bíblia feminista, O Segundo Sexo. Já no caso dos homens, eles desafiam à sociedade. Enquanto elas eram encaminhadas para psiquiatras, como Elise Cowen, eles eram estudados por sociólogos e criminologistas. Lenore desde muito nova, 12 anos de idade, foi praticante do budismo zen, segundo Kerouac : "uma estudante de zen, sabe de tudo!.". Usava roupas provocantes -- tanto di Prima quanto Kerouac já relataram a sua preferência por circular de roupas íntimas-- e  também era adepta à dança do ventre. Ela se tornou uma das minhas beat preferidas, embora constem apenas duas obras publicadas. O que  a torna essencial para entender a contracultura do século XX, é que o sexo era seu tema central. THE LOVE BOOK, em caixa alta por escolha minha, foi lançado em 1966, quando a efervescência transgressora política e cultural ainda eclodiria em maior amplitude anos mais tarde. O curto livro de poemas de Kandel foi um dos casos de censura mais duradouros em São Francisco. Tanto o seu livro quanto Naked Lunch de Burroughs, Howl de Ginsberg, e The Beard de McClure foram à Corte judicial por sua obscenidade. Porém, tentaram ocultar a batida de policias nas livrarias em que o livro de Kandel  constava, como na City Lights Books de Lawrence Ferlinghetti, grande beat e publicador de várias mulheres do movimento. Acredita-se que esse caso foi o último em relação a censuras de escritos eróticos; a  censura não foi suficiente para silenciar uma das vozes mais marcantes na ruptura com  noções estabelecidas em relação à experiência sexual de uma mulher. "Foder com Amor" seu poema mais celebrado, traz assim como nas memórias de Diane di Prima, o protagonismo sexual feminino. Lenore incorpora a filosofia do sul asiático, recheado de conotações divinas que celebram o sexo como a aniquilação do outro, quando dois corpos se tornam um só. Sua transgressão se dá ao passo que torna o seu prazer político, uma vez que a filosofia oriental ainda concedia o lugar do prazer prioritariamente  ao homem.


Lenore Kandel no seu aniversário de 35 anos,lendo seus poemas eróticos para uma plateia de mais de 20 mil pessoas no ato Human Be-In, São Francisco (1967)

Outra adepta ao budismo na década de 60 foi Anne Waldman. A escritora, ativista, colaboradora, entre outras nomeações, carrega consigo por volta de 40 obras publicadas, além de diversos prêmios literários. Há alguns anos, tem trabalhado como chanceler da Academia dos Poetas Americanos. Sua relevância no campo da poesia tem se consolidado desde a década de 60, quando aprimorou sua própria maneira de se fazer poesia através do budismo tibetano. Anne é uma amante da experimentação, seus escritos ganham energia física podendo ser cantados e encenados. A poeta explora os estados da mente e mudanças na linguagem a fim de criar novas estruturas e montagens. Ela pode ser considerada a mais engajada em diferentes comunidades literárias entre as mulheres beat. Cofundou ao lado de Ginsberg e di Prima a Escola Jack Kerouac de Poetas Desencarnados no instituto Naropa no Colorado. Ao lado de seu ex-companheiro e artista visual, Lewis Warsh, os dois se conheceram na conferência de poesia de Berkeley em 1965, Anne montou a antologia Angel Hair que reunia curtas biografias e escritos de diferentes artistas norte-americanos, incluindo a escritora beat, Joanne Kyger. Eis como o poeta romeno Andrei Codrescu, descreve seu primeiro encontro com Anne na década de 60, presente em seu extenso e incrível poema "Quem tem medo de Anne Waldman? " :

"(...)e em meio a esse esplendor rebelde atual e histórico


             Anne era legal, clássica,linda


energética, inteligente e responsável


 


todos estavam apaixonados por ela


             foi o verão do amor, Anne Waldman,


não havia ninguém que não amasse Anne Waldman. "

Anne retratou temas como tradição artística, energia feminina, intoxicação e transformação e seu livro mais imponente "Fast Speaking Woman"será comentado em outro post.

A última poeta que retratarei neste post também possui uma extensa lista de escritos poéticos e politizados. Denise Levertov cresceu cercada por diferentes identidades étnicas e religiosas que certamente influenciaram sua produção artística.A religião se tornou seu principal tema quando começou a escrever aos 12 anos de idade e voltaria a ser sua principal fonte de conexão com a vida nos últimos anos como escritora. Porém, ampliou seu leque de inspirações quando mudou-se para Nova Iorque e teve contato com os poetas da Black Mountain. A autora nega seu envolvimento com o grupo, mas é evidente sua ligação com o estilo de Williams Carlos Williams,por exemplo. O ativismo político dos pais durante a época da segunda guerra mundial, despertou em Denise, uma sensibilidade política. Nas décadas de 60 e 70, ela se uniu a outros artistas a fim de protestar de forma literária contra a guerra do Vietnã como também advogar por direitos humanitários. Seu poema As Mudas faz clara alusão ao silêncio das mulheres no sistema patriarcal. Enquanto Como Eles Eram? versa sobre a aniquilação da população vietnamita durante a guerra.

"Não acredito que uma imitação violenta dos horrores de nossos tempos seja a preocupação da poesia. Enquanto a poesia tem uma função social, é a despertar os que dormem por outros meios além do choque."

Denise era assim como Jack Kerouac, uma católica aberta a outras experiências espirituais. Porém, ambos tiveram seus momentos finais marcados por uma profunda rendição ao catolicismo. Ambos confinaram-se a igrejas em busca de um alívio para tensões geradas no curso de suas vidas. Por mais de uma década, Levertov tornou lírico o horror da guerra, mal saberia ela o quanto isso resultaria em um tormento em sua psiquê.

O protagonismo literário das escritoras beat deste post não dependeram de memórias ao lado das figuras masculinas. Cada uma ampliou os limites de se fazer literatura a partir de seus próprios anseios e experiências como ativistas engajadas.



Denise Levertov opôs a feiura da Guerra do Vietña e a beleza da linguagem em muitas de suas poesias para mais tarde perceber os conflitos internos que seu engajamento político contra a violência causou.

Na parte três e última dessa introdução às mulheres beat, você encontrará Ruth Weiss, Hettie Jones e Joanne Kyger.

Fontes:


https://www.poetryfoundation.org/poets/denise-levertov







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2 Comments


Larissa Oliveira
Larissa Oliveira
Sep 11, 2018

José Emanuel, obrigada pela observação, pertinente, eu interpretei como as mudas porque o poema foca no grunhido deles e no silêncio dela, mas a sua forma de enxergar o poema também é válida.

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José Emanuel Santos
José Emanuel Santos
Sep 10, 2018

Só uma coisa: O poema da Denise Levertov não não seria "Os Mudos"?. "Suspiros, sussuros e grunhidos de surdos- mudos encurralados"


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